sexta-feira, 29 de abril de 2016

O que realmente importa

               


               O menino acabara de chegar ao vilarejo, e logo se deparou com uma cena inusitada. Os habitantes deste vilarejo possuíam uma característica peculiar: seus corações eram projetados para fora do peito, como em um passe de mágica. Todos os corações eram visíveis, os mais variados, desde aqueles menores, mais experientes com várias cicatrizes e rugas, aos jovens, fortes e destemidos corações, estes aveludados e quase inalterados.
                Logo o menino percebeu uma aglomeração destes habitantes no centro do vilarejo, em forma de círculo. Curioso, chegou mais próximo para poder acompanhar o momento, e se surpreendeu com a imagem à sua frente.
            Uma multidão de habitantes, os corações pulsando de emoção, estava virada para o centro do círculo. Nele encontrava-se um garoto, pouco mais velho do que o menino, que exibia orgulhosamente seu coração. O menino nunca havia visto um coração daquele, tão brilhoso, intocado, sem qualquer ruga ou arranhão. Seu dono exibia o troféu em seu peito com pompa, rodando de um lado para o outro, forçando a respiração para dobrar o tamanho, e com um sorriso de quem entende a posição popular que desfruta.
               Olhando ao redor, o menino pode observar mais habitantes do vilarejo se aglomerando no círculo, ávidos por uma espiada naquele belo espécime. Ao menino, parecia que aquele momento era especial para os habitantes do vilarejo, praticamente todos presentes naquela cena.
                Qual foi a surpresa do menino ao perceber que um senhor estava sentado longe da aglomeração, encarando-a tristemente. À princípio, o menino pensou que o senhor fosse um forasteiro como ele, pois não tinha conseguido visualizar um coração sendo projetado do peito. Ao chegar mais perto, constatou algo que fez o seu próprio coração se encolher de remorso: não conseguira ver o coração do senhor porque ele era menor do que uma noz, tamanha a quantidade de cicatrizes e rugas espalhadas por toda a sua superfície. Seu batimento era fraco e pausado, quase falho, entristecendo ainda mais o menino.
                Nesse momento, o menino tomou a decisão de se aproximar do senhor. Queria lhe perguntar se o senhor precisava de algo, se estava bem. Para seu espanto, o senhor lhe olhou com a dúvida completa estampada na face, sem entender a situação e os motivos para aqueles questionamentos. De modo gentil, o menino fez referência ao coração do senhor, e ao seu estado minguado.
                O senhor, sentindo a ansiedade e a dó pesando nas palavras do menino, lhe disse: “Menino, sinto a dor no tom de suas palavras, vejo a tristeza em seus olhos. Conte-me, por favor, quem você é, de onde veio, e qual sua história. O que fez você chegar aqui?”
                Aquilo foi como um choque na alma do menino. Não entendia como o senhor poderia estar tão calmo diante daquela situação, e fazendo perguntas tão fúteis e banais à ele. No entanto, seu valor de respeito fez-lhe responder aos questionamentos do senhor, contando todas as passagens de sua história.

                Sentados, conversaram por horas. O menino contou cada detalhe de sua vida, os motivos que levaram ele à chegar ao vilarejo, e o que sonhava alcançar ainda em vida. Sem perceber, foi se abrindo cada vez mais àquele senhor desconhecido, terminando sua narrativa pessoal com um largo sorriso.
                O que ele não percebeu é que a medida que foi contando sua história, uma nova cicatriz nascera e se aprofundara no coração do senhor. No final da prosa, o coração era metade do original, com uma cicatriz que lhe percorria um lado completo.
                O menino foi tomado por um pânico súbito, apontando para o coração do senhor, e implorando  que fosse procurar auxílio, ou que ao menos lhe deixasse ajudar de alguma forma.
                O senhor, então, respondeu: “Meu querido amigo, acalme-se. Você já me ajudou, embora ainda não entenda isso completamente. Veja só, os habitantes desta pequena vila tem duas características peculiares: 
              A primeira você já observou, a de que nossos corações tem uma imagem exposta, e podemos expô-los para ao mundo da forma como realmente são; a segunda, mais profunda e mais crucial, é a de que estes mesmos corações podem sofrer variações, ganhar cicatrizes, rugas, e arranhões, à medida que são tocados por outros corações e mentes.
                Em outras palavras, cada uma dessas cicatrizes e rugas que você vê no meu coração significam uma pessoa que se tornou importante para mim, igual à você. Uma pessoa que parei para ouvir sua história, entender seus valores, me motivar com seus sonhos e me alegrar ao ver sua jornada. Cada relacionamento, único e pessoal como é, traz ensinamentos e aprendizados que precisamos para poder trilhar nosso próprio caminho. Estas cicatrizes e rugas demonstram todas as pessoas que importei para meu coração, junto de seus valores, aprendizados, erros e acertos, como você pode ver nessa nova cicatriz, que é sua!

                Para mim, o maior valor na vida não é ter um coração impecável, mas ter um coração que demonstre quanto ouvi, aprendi, e vivi junto com seres humanos magníficos. Este é o motivo para meu coração ser assim, pequeno e minguado, mas calmo, paciente e carinhoso, um bom coração.”