O menino acabara de chegar ao vilarejo, e logo se deparou com uma cena inusitada. Os habitantes deste vilarejo possuíam uma característica peculiar: seus corações eram projetados para fora do peito, como em um passe de mágica. Todos os corações eram visíveis, os mais variados, desde aqueles menores, mais experientes com várias cicatrizes e rugas, aos jovens, fortes e destemidos corações, estes aveludados e quase inalterados.
Logo o menino percebeu uma
aglomeração destes habitantes no centro do vilarejo, em forma de círculo.
Curioso, chegou mais próximo para poder acompanhar o momento, e se surpreendeu
com a imagem à sua frente.
Uma multidão de habitantes, os corações pulsando de emoção, estava virada para o centro do círculo. Nele encontrava-se um garoto, pouco mais
velho do que o menino, que exibia orgulhosamente seu coração. O menino nunca
havia visto um coração daquele, tão brilhoso, intocado, sem qualquer ruga ou
arranhão. Seu dono exibia o troféu em seu peito com pompa, rodando de um lado
para o outro, forçando a respiração para dobrar o tamanho, e com
um sorriso de quem entende a posição popular que desfruta.
Olhando ao redor, o menino pode
observar mais habitantes do vilarejo se aglomerando no círculo, ávidos por uma espiada
naquele belo espécime. Ao menino, parecia que aquele momento era especial para os habitantes do vilarejo, praticamente todos presentes naquela cena.
Qual foi a surpresa do menino ao
perceber que um senhor estava sentado longe da aglomeração, encarando-a
tristemente. À princípio, o menino pensou que o senhor fosse um forasteiro como
ele, pois não tinha conseguido visualizar um coração sendo projetado do peito. Ao
chegar mais perto, constatou algo que fez o seu próprio coração se encolher de
remorso: não conseguira ver o coração do senhor porque ele era menor do que uma
noz, tamanha a quantidade de cicatrizes e rugas espalhadas por toda a sua superfície. Seu batimento era fraco e pausado, quase falho, entristecendo ainda mais o menino.
Nesse momento, o menino tomou a
decisão de se aproximar do senhor. Queria lhe perguntar se o senhor precisava
de algo, se estava bem. Para seu espanto, o senhor lhe olhou com a dúvida
completa estampada na face, sem entender a situação e os motivos para aqueles
questionamentos. De modo gentil, o menino fez referência ao coração do senhor,
e ao seu estado minguado.
O senhor, sentindo a ansiedade e a
dó pesando nas palavras do menino, lhe disse: “Menino, sinto a dor no tom de
suas palavras, vejo a tristeza em seus olhos. Conte-me, por favor, quem você
é, de onde veio, e qual sua história. O que fez você chegar aqui?”
Aquilo foi como um choque
na alma do menino. Não entendia como o senhor poderia estar tão calmo diante
daquela situação, e fazendo perguntas tão fúteis e banais à ele. No entanto,
seu valor de respeito fez-lhe responder aos questionamentos do senhor, contando
todas as passagens de sua história.
Sentados, conversaram por horas.
O menino contou cada detalhe de sua vida, os motivos que levaram ele à chegar
ao vilarejo, e o que sonhava alcançar ainda em vida. Sem perceber, foi se
abrindo cada vez mais àquele senhor desconhecido, terminando sua narrativa
pessoal com um largo sorriso.
O que ele não percebeu é que a
medida que foi contando sua história, uma nova cicatriz nascera e se
aprofundara no coração do senhor. No final da prosa, o coração era metade do
original, com uma cicatriz que lhe percorria um lado completo.
O menino foi tomado por um
pânico súbito, apontando para o coração do senhor, e implorando que
fosse procurar auxílio, ou que ao menos lhe deixasse ajudar de alguma forma.
O senhor, então, respondeu: “Meu
querido amigo, acalme-se. Você já me ajudou, embora ainda não entenda isso
completamente. Veja só, os habitantes desta pequena vila tem duas
características peculiares:
A primeira você já observou, a de que nossos corações tem uma imagem exposta, e podemos expô-los para ao mundo da forma como realmente são; a segunda, mais profunda e mais crucial, é a de que estes mesmos corações podem sofrer variações, ganhar cicatrizes, rugas, e arranhões, à medida que são tocados por outros corações e mentes.
A primeira você já observou, a de que nossos corações tem uma imagem exposta, e podemos expô-los para ao mundo da forma como realmente são; a segunda, mais profunda e mais crucial, é a de que estes mesmos corações podem sofrer variações, ganhar cicatrizes, rugas, e arranhões, à medida que são tocados por outros corações e mentes.
Em outras palavras, cada uma
dessas cicatrizes e rugas que você vê no meu coração significam uma pessoa que
se tornou importante para mim, igual à você. Uma pessoa que parei para ouvir
sua história, entender seus valores, me motivar com seus sonhos e me alegrar ao
ver sua jornada. Cada relacionamento, único e pessoal como é, traz ensinamentos
e aprendizados que precisamos para poder trilhar nosso próprio caminho. Estas
cicatrizes e rugas demonstram todas as pessoas que importei para meu coração,
junto de seus valores, aprendizados, erros e acertos, como você pode ver nessa
nova cicatriz, que é sua!
Para mim, o maior valor na vida
não é ter um coração impecável, mas ter um coração que demonstre quanto ouvi,
aprendi, e vivi junto com seres humanos magníficos. Este é o motivo para meu
coração ser assim, pequeno e minguado, mas calmo, paciente e carinhoso, um bom
coração.”