Sentado naquela cadeira
desconfortável, o filhote esperava ansioso pelo tão sonhado chamado. Pensava
nos momentos que vivera até ali, os ensinamentos de seus pais e
amigos passavam velozes, teimosos o suficiente para se perderem em meio aos
devaneios leoninos. Cada segundo aumentava a angústia no seu estômago, vazio
desde a última gazela, elevando sua ansiedade, impulsionada pela juba mal
arrumada.
Finalmente
veio o chamado pelo alto falante: “Senhor Leôncio Júnior, estamos prontos para
recebê-lo.” O pequeno filhote levantou-se, as pernas trêmulas, e se dirigiu
para a porta de mogno a sua frente. Do outro lado, uma cena surpreendente: três
leões alfa, trajados em belos ternos de risca de giz, sentavam-se ao centro de
um semi-círculo, agrupados por seis leoas extremamente elegantes, todos
absortos em suas próprias anotações. A sala era gigantesca,
colunas de ouro maciço subiam até encontrarem a abóbada superior, adornadas dos mais variados troféus e prêmios. Uma verdadeira obra-de-arte.
O
filhote sentou-se na cadeira de couro prostrada no meio do semi-círculo,
demasiado nervoso para dizer qualquer palavra. O senhor leão ao centro,
aparentemente o diretor-alfa, cumprimentou-o, e deu-se início aos minutos mais
extensos da vida daquele pequeno felino.
De
volta em casa, o filhote comemorava com a família, incrédulo pelo sucesso.
Conseguira a vaga, era agora um autêntico trainee da Companhia Leonina de
Alimentos, o explendor de alimentação leonina sub-saariana. Depois do que
pareceram dias de churrasco gazelístico, o filhote teve a oportunidade de
entender como aquele turbilhão de acontecimentos fizera-o chegar aquele ponto.
Lembrou de seu pai, Leôncio Sênior, e dos
momentos que passaram juntos. Lembrou dos ensinamentos nos esportes leoninos,
dos treinos em artes felinais, e das palavras sábias durante as conversas em
frente à fogueira. O pequeno Leôncio Júnior entendia como aqueles instantes
valorosos tinham afetado suas técnicas, como tinham demonstrado os melhores
meios pra se alcançar o sucesso quando se precisa usar a racionalidade plena.
Assim, Leôncio Júnior via suas habilidades técnicas como cópias dos ensinamentos de seu
pai, e suas consequências eram claras naquele sucesso.
Mas
ainda restava a dúvida, o feedback tinha sido estranho. Suas melhores
qualidades, ao menos na visão daqueles leões imponentes, não estavam nas habilidades técnicas, mas na capacidade de relacionamento daquele filhote. Leôncio
procurava, em vão, entender como havia adquirido habilidades tão diferentes dos
ensinamentos do pai, tão subjetivas à cada um, de modo que sua racionalidade não poderia
vê-las como algo além de pouco interessante.
Neste
momento, sua mãe, a majestosa Leona Sênior, entretia um grupo de leões e leoas
em divertidas histórias. Leôncio Júnior não havia prestado tanta atenção ao que
sua mãe lhe ensinara, tinha o hábito de entender suas palavras como chatice,
como supérfluas e que só serviam para enervá-lo. Sabia que ambos se amavam,
como mãe e filho, mas Leona Sênior fora uma financista espetacular para a União
Internacional dos Felinos, e acabou tendo menos tempo disponível para poder passar com
o filhote. No entanto, sempre que a oportunidade se mostrava, ela dava prioridade
para o filho, algo que ele só percebia agora, enquanto a admirava entretendo
diversos hóspedes.
Ela
sempre estava lá, quando podia e quando prometia, nunca havia quebrado o
ritual sagrado. Mesmo que o trabalho estivesse apertado, ela encontrava um tempo
para prestigiar o pequeno Júnior em suas apresentações de teatro, nos
aniversários dos amigos, nas reuniões em família. Leona sempre dava um jeito de
sair do trabalho e comparecer, mais do que isso, acabava se tornando parte vital do
evento, reunindo todos com alegria e tranquilidade.
Então,
Leôncio Júnior finalmente entendeu. Agora compreendia de onde herdara aquelas
habilidades, estranhas à ele por conta da sua racionalidade estúpida.
Finalmente viu que imitava Leona em suas atitudes em grupo, que a via como o
melhor exemplo de relacionamento social que conhecia. Leona era uma guerreira,
tinha vigor e confiança exalando pela pelagem jovial, e era uma
interlocutora fantástica, arrancando risadas, sorrisos e abraços onde quer que
passasse.
Foi
Leona que ensinou Júnior como se comportar em meio aos iguais. Ela ensinou-lhe o valor
do verdadeiro leão, aquele que consegue esquecer o que existe na aparência e
nos atos, e procura a índole interior, o espírito felino que incendeia cada um.
Leona mostrou-lhe como a vida não é racional, como cada respiração, cada pulsação,
cada gole de água eram mais do que vontade de respirar, de correr ou de se
refrescar. Eram atitudes que vinham de desejos interiores, mais do que isso, de
necessidades vitais, as quais ninguém poderia negar ou escapar.Dessa forma, a racionalidade estúpida de Leôncio via o que sua magnífica mãe tanto tentara lhe ensinar.
A
entrevista não fora o prêmio daquele dia, agora Leôncio Júnior via com clareza.
Seu maior prêmio foi poder reconhecer o verdadeiro valor daquela guerreira,
batalhadora, amiga, companheira, arquiteta, guarda e guia, sua mãe, Leona
Sênior. Afinal, os ensinamentos maternos estão no sangue, e são inerentes aos
filhotes. Funcionam mais no inconsciente, tornando-se imprescindíveis na busca
de um equilíbrio emocional e na condução das relações sociais. Sem Leona, Júnior não era um verdadeiro leão.
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