Créditos:
MARY YAMANAKA - Parque do Ibirapuera 1996
(http://mary-yamanaka.blogspot.com.br/2012/01/pintando-do-natural.html)
Um sol maravilhoso irradiava no
azul-celeste, iluminando as folhas das árvores e os passeios tortuosos daquele
parque, um local de retiro na periferia da cidade movimentada. O pequeno Evols
estava sentado no banco rústico de madeira, em uma das praças laterais,
apreciando as regalias que estavam no seu colo: um pequeno caderno, uma caneta
e uma caixa de madeira em formato de cubo.
Evols abriu a caixa e contemplou o
interior, um largo sorriso cruzou sua face ao examinar a estimada coleção. Haviam verdadeiras raridades
naquele pequeno cubículo, valiosas por sua simplicidade e pelo seu poder de
influência. O pequeno caderno estava aberto na página de tabulação, um senso de
orgulho correndo a espinha até atingir a mente de Evols ao observar o
conteúdo de cada ítem ali descrito.
Enquanto estava distraído com os
espólios, Evols não reparou que o sorrateiro Quaetilium aproximou-se e sentou à
sua esquerda. Chocado com a aparição repentina, Evols fechou apressadamente sua
caixa, guardando de qualquer modo o caderno e a caneta em seu interior, e mirou
Quaetilium com um olhar de pura perplexidade.
Quaetilium, então, indagou:
- Caro Evols, perdoe a intromissão,
vi que estava contemplando admirado esta pequena caixa e fiquei curioso, o que
carrega nela?
Antes que Evols pudesse sequer falar
as primeiras palavras, Resposinius, o ancião, sentou-se à sua direita e
prontamente explanou:
- Ora, pequeno Quaetilium, é claro
que trata-se de uma coleção, e das mais preciosas!
- Uma coleção?! Pudera, também sou
um colecionador aficionado! Mas diga-me, o que guarda com tanta estima? –
indagou Quaetilium.
- Só há uma coisa que se possa
colecionar, acima de qualquer outra, é um senso comum: respostas, obviamente! –
devolveu, Responsinius de modo assertivo.
Quaetilium,
que até aquele momento estava muito animado, desinflou como um balão perfurado
por um alfinete. Apenas murmurou: “Ah... respostas. Que legal, bom pro senhor,
imagino.”
Evols
percebeu que Responsinius não tomou aquela reação com bons olhos. Imperativamente,
o ancião ordenou uma explicação: “Como assim, ‘ah...respostas.’?! Está querendo
inferir que existe algo melhor para se guardar do que respostas?”
-
Respostas são úteis, mas o que guardo à sete chaves são perguntas! – completou
Quaetilium.
-
Perguntas?! – respondeu um Responsinius aborrecido.
-
Sim, perguntas! Veja, não tenho nada contra respostas, mas nunca trocaria uma
pergunta por uma resposta... Não consigo ver o ganho à longo prazo. – explicou
Quaetilium.
-
Como assim, longo prazo? O que quer dizer? – questionou Responsinius.
“Bom...
Da forma como vejo, respostas são úteis para
se ter ao redor, mas também são um pouco tediosas... Quero dizer, elas não
parecem participar da eterna dança de transformação do universo, na forma como
são. Se você escolher ficar ao lado delas, arriscará perder boa parte das
risadas e da graça.
A
realidade pode mudar tanto quanto você quiser que ela mude, ou melhor, tanto
quanto você escolha vê-la de modo diferente. Uma resposta, estática em sua
natureza, faz referência a um momento congelado da realidade. Seu valor só pode
ir para baixo. O diamante de hoje pode ser o grafite de amanhã.
Por
outro lado, perguntas tem a curiosa característica de continuar nessa dança e,
assim, seu valor só tende a aumentar com o passar do tempo. Parece não fazer
muito sentido colecionar qualquer coisa que possa perder seu valor com o passar
do tempo, não acha?” explicou e indagou Quaetilium, que estava absolutamente
eufórico neste momento.
Responsinius
tomou um pouco de ar, retornando: “Acredito que ideias tão radicais como essas
são parte de uma característica intrínseca à jovens como você, jovem
Quaetilium. Como seria possível manter uma coleção destas?!
Quero
dizer, é senso comum que perguntas estão sempre correndo para encontrar
respostas. Todos sabem que elas raramente sobrevivem ao encontro. As respostas
dão base para qualquer nascimento de uma pergunta, são os progenitores da nova
geração.
Quanto
maior o número de perguntas que uma resposta gera, maior será o seu valor, isso
é um caso de lógica básica que falta à juventude hoje. Para se ter o mínimo de
assertividade é necessário ter um leque de respostas bem estruturadas, com
muita experiência, bem alimentadas e nutridas.
Você
diz que as respostas são um momento estático, mas e o que dizer das perguntas,
então? Elas são feitas em um único momento, e se, por fim, se alteram, você não
pode dizer que continuam as mesmas, especialmente após várias revisões.
Assim,
fica claro pra mim que a melhor coleção à se ter é aquela em que você pode ter
base. Como em um edifício, escolho ter pilastras à pisos, e construir os
andares com estas fracas, mas bem rodadas, pernas.” completou um triunfante
Responsinius, crente de que tinha ganho aquele argumento.
Após
algum tempo de reflexão, Evols esperava, ansiosamente, uma indicação de reação
por parte de Quaetilium. Em silêncio, aproveitou o momento de pausa para
organizar os pensamentos, sendo surpreendido pela fala de jovem sorrateiro:
“Na
minha visão, quando uma resposta não serve mais à sua pergunta, ela deve ser
descartada, e não entesourada. É apenas o ciclo-de-vida natural delas. Elas
geralmente esperneiam e fazem um escândalo quando pedimos para irem embora,
especialmente aquelas que ficaram conosco por um longo tempo.
Veja
você, estas respostas acabam se sentindo muito importantes com o passar do
tempo, ficam cheias de si! Não repeitam ninguém, nem mesmo as perguntas que as originaram!
Qual o propósito em manter uma resposta errada se ela vai impedir de se
retornar à uma pergunta certa?” considerou Quaetilium, quase que jogando a
pergunta ao ar e não propriamente naquele pequeno diálogo.
Responsinius
se levantou, voltou-se para os dois jovens colegas que estavam sentados no
banco de parque, em meio à tarde ensolarada, e disse-lhes: “Para mim, basta...
Já ouvi o suficiente desta juventude rebelde. Tenham um bom dia!”
Evols
e Quaetilium se entreolharam, a dúvida estampada nas faces, e permaneceram no
banco, em silêncio, por alguns instantes. Quando o sino da igreja ao lado
sinalizou o fim de tarde, Quaetilium se despediu e seguiu seu rumo.
Evols
demorou-se ainda no banco, os pensamentos absortos na conversa que havia
presenciado. De repente, como que por passe de mágica, um estalo veio em sua mente,
trazendo consigo a demonstração de como aqueles dois colegas poderiam ter unido
esforços, ao invés de vê-los em pontos opostos. Na consciência de Evols, tudo
fazia sentido:
“Respostas
são extremamente valiosas, porque garantem um ponto-zero, uma referência para o
próximo objetivo na árdua jornada. Mas para chegar ao próximo passo é
necessário realizar perguntas em cima da resposta-base, do contrário tudo que
fará é permanecer congelado no mesmo lugar.
O
ciclo do desenvolvimento ficou muito claro agora. As perguntas tem maior valor
para um objetivo em mente, enquanto as respostas servem de base para alcançar
este objetivo. Ao mesmo tempo, o objetivo, quando alcançado, se torna a nova
base de resposta para as próximas etapas, ou seja, as próximas perguntas.
Este
ciclo é o que uniria Quaetilium e Responsinius. Um ciclo de perguntas e
respostas contínuo, onde um aprende com as descobertas e indagações do outro,
em eterna sincronia, crescendo e se desenvolvendo conjuntamente.”
Evols abriu a caixinha em seu colo, tirou o
caderno e a caneta, e anetou numa página em branco aquele maravilhoso ensinamento.
Guardou sua coleção de ações dentro da caixinha: seu valioso tesouro ganhara um
novo membro.