domingo, 31 de julho de 2016

Uma Tarde no Parque

Créditos: MARY YAMANAKA - Parque do Ibirapuera  1996 (http://mary-yamanaka.blogspot.com.br/2012/01/pintando-do-natural.html)
Um sol maravilhoso irradiava no azul-celeste, iluminando as folhas das árvores e os passeios tortuosos daquele parque, um local de retiro na periferia da cidade movimentada. O pequeno Evols estava sentado no banco rústico de madeira, em uma das praças laterais, apreciando as regalias que estavam no seu colo: um pequeno caderno, uma caneta e uma caixa de madeira em formato de cubo.
Evols abriu a caixa e contemplou o interior, um largo sorriso cruzou sua face ao examinar a  estimada coleção. Haviam verdadeiras raridades naquele pequeno cubículo, valiosas por sua simplicidade e pelo seu poder de influência. O pequeno caderno estava aberto na página de tabulação, um senso de orgulho correndo a espinha até atingir a mente de Evols ao observar o conteúdo de cada ítem ali descrito.
Enquanto estava distraído com os espólios, Evols não reparou que o sorrateiro Quaetilium aproximou-se e sentou à sua esquerda. Chocado com a aparição repentina, Evols fechou apressadamente sua caixa, guardando de qualquer modo o caderno e a caneta em seu interior, e mirou Quaetilium com um olhar de pura perplexidade.
Quaetilium, então, indagou:
- Caro Evols, perdoe a intromissão, vi que estava contemplando admirado esta pequena caixa e fiquei curioso, o que carrega nela?
Antes que Evols pudesse sequer falar as primeiras palavras, Resposinius, o ancião, sentou-se à sua direita e prontamente explanou:
- Ora, pequeno Quaetilium, é claro que trata-se de uma coleção, e das mais preciosas!
- Uma coleção?! Pudera, também sou um colecionador aficionado! Mas diga-me, o que guarda com tanta estima? – indagou Quaetilium.
- Só há uma coisa que se possa colecionar, acima de qualquer outra, é um senso comum: respostas, obviamente! – devolveu, Responsinius de modo assertivo.
Quaetilium, que até aquele momento estava muito animado, desinflou como um balão perfurado por um alfinete. Apenas murmurou: “Ah... respostas. Que legal, bom pro senhor, imagino.”
Evols percebeu que Responsinius não tomou aquela reação com bons olhos. Imperativamente, o ancião ordenou uma explicação: “Como assim, ‘ah...respostas.’?! Está querendo inferir que existe algo melhor para se guardar do que respostas?”
- Respostas são úteis, mas o que guardo à sete chaves são perguntas! – completou Quaetilium.
- Perguntas?! – respondeu um Responsinius aborrecido.            
- Sim, perguntas! Veja, não tenho nada contra respostas, mas nunca trocaria uma pergunta por uma resposta... Não consigo ver o ganho à longo prazo. – explicou Quaetilium.
- Como assim, longo prazo? O que quer dizer? – questionou Responsinius.
“Bom...
Da forma como vejo, respostas são úteis para se ter ao redor, mas também são um pouco tediosas... Quero dizer, elas não parecem participar da eterna dança de transformação do universo, na forma como são. Se você escolher ficar ao lado delas, arriscará perder boa parte das risadas e da graça.
A realidade pode mudar tanto quanto você quiser que ela mude, ou melhor, tanto quanto você escolha vê-la de modo diferente. Uma resposta, estática em sua natureza, faz referência a um momento congelado da realidade. Seu valor só pode ir para baixo. O diamante de hoje pode ser o grafite de amanhã.
Por outro lado, perguntas tem a curiosa característica de continuar nessa dança e, assim, seu valor só tende a aumentar com o passar do tempo. Parece não fazer muito sentido colecionar qualquer coisa que possa perder seu valor com o passar do tempo, não acha?” explicou e indagou Quaetilium, que estava absolutamente eufórico neste momento.
Responsinius tomou um pouco de ar, retornando: “Acredito que ideias tão radicais como essas são parte de uma característica intrínseca à jovens como você, jovem Quaetilium. Como seria possível manter uma coleção destas?!
Quero dizer, é senso comum que perguntas estão sempre correndo para encontrar respostas. Todos sabem que elas raramente sobrevivem ao encontro. As respostas dão base para qualquer nascimento de uma pergunta, são os progenitores da nova geração.
Quanto maior o número de perguntas que uma resposta gera, maior será o seu valor, isso é um caso de lógica básica que falta à juventude hoje. Para se ter o mínimo de assertividade é necessário ter um leque de respostas bem estruturadas, com muita experiência, bem alimentadas e nutridas.
 Você diz que as respostas são um momento estático, mas e o que dizer das perguntas, então? Elas são feitas em um único momento, e se, por fim, se alteram, você não pode dizer que continuam as mesmas, especialmente após várias revisões.
Assim, fica claro pra mim que a melhor coleção à se ter é aquela em que você pode ter base. Como em um edifício, escolho ter pilastras à pisos, e construir os andares com estas fracas, mas bem rodadas, pernas.” completou um triunfante Responsinius, crente de que tinha ganho aquele argumento.
Após algum tempo de reflexão, Evols esperava, ansiosamente, uma indicação de reação por parte de Quaetilium. Em silêncio, aproveitou o momento de pausa para organizar os pensamentos, sendo surpreendido pela fala de jovem sorrateiro:
“Na minha visão, quando uma resposta não serve mais à sua pergunta, ela deve ser descartada, e não entesourada. É apenas o ciclo-de-vida natural delas. Elas geralmente esperneiam e fazem um escândalo quando pedimos para irem embora, especialmente aquelas que ficaram conosco por um longo tempo.
Veja você, estas respostas acabam se sentindo muito importantes com o passar do tempo, ficam cheias de si! Não repeitam ninguém, nem mesmo as perguntas que as originaram! Qual o propósito em manter uma resposta errada se ela vai impedir de se retornar à uma pergunta certa?” considerou Quaetilium, quase que jogando a pergunta ao ar e não propriamente naquele pequeno diálogo.
Responsinius se levantou, voltou-se para os dois jovens colegas que estavam sentados no banco de parque, em meio à tarde ensolarada, e disse-lhes: “Para mim, basta... Já ouvi o suficiente desta juventude rebelde. Tenham um bom dia!”
Evols e Quaetilium se entreolharam, a dúvida estampada nas faces, e permaneceram no banco, em silêncio, por alguns instantes. Quando o sino da igreja ao lado sinalizou o fim de tarde, Quaetilium se despediu e seguiu seu rumo.

Evols demorou-se ainda no banco, os pensamentos absortos na conversa que havia presenciado. De repente, como que por passe de mágica, um estalo veio em sua mente, trazendo consigo a demonstração de como aqueles dois colegas poderiam ter unido esforços, ao invés de vê-los em pontos opostos. Na consciência de Evols, tudo fazia sentido:
“Respostas são extremamente valiosas, porque garantem um ponto-zero, uma referência para o próximo objetivo na árdua jornada. Mas para chegar ao próximo passo é necessário realizar perguntas em cima da resposta-base, do contrário tudo que fará é permanecer congelado no mesmo lugar.
O ciclo do desenvolvimento ficou muito claro agora. As perguntas tem maior valor para um objetivo em mente, enquanto as respostas servem de base para alcançar este objetivo. Ao mesmo tempo, o objetivo, quando alcançado, se torna a nova base de resposta para as próximas etapas, ou seja, as próximas perguntas.
Este ciclo é o que uniria Quaetilium e Responsinius. Um ciclo de perguntas e respostas contínuo, onde um aprende com as descobertas e indagações do outro, em eterna sincronia, crescendo e se desenvolvendo conjuntamente.”

Evols abriu a caixinha em seu colo, tirou o caderno e a caneta, e anetou numa página em branco aquele maravilhoso ensinamento. Guardou sua coleção de ações dentro da caixinha: seu valioso tesouro ganhara um novo membro.

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